domingo, 11 de julho de 2010

Saiu contente. Estava determinada a se divertir. Duas bebidinhas. Sorria mais que normalmente, embora não sorrisse pouco. Era só atrevessar a rua mas nunca tinha ido àquele lugar. Naquele dia foi. Não demorou e ele se aproximou. Ficou surpresa, mas depois ele explicou. Você já tinha olhado para mim quatro vezes. Foi? Conversaram. Nome diferente o dele... Ela era ruim em guardar nomes. Conversaram. Cada um foi para um lado. Ele passou de novo por ela. Não lembro seu nome. Ele repetiu. Posso te beijar? Enquanto ela pensava, ele beijou. Ela gostou. E agora me diga, qual o meu nome? Ela não lembrava. A mesma bebidinha que a deixava mais solta, também suspendia a atenção. Ele não se ofendeu, repetiu novamente. Pegou na mão dela. Ela gostou. Beijaram. dançaram. falaram. Era bom estar na companhia dele. Essa é a última bebida, depois, vamos para o meu hotel. Não posso. Por que? Não devo. Ele era artista, viajando com o espetáculo, livre. Ela era a mesma pessoa tentando saber quem era, tentando livrar-se dos medos, tentando viver coisas novas mas sem tanta coragem. A festa acabou. Vamos comigo? Ela pensava e não lhe vinham motivos para não ir. Era isso que ela queria, coisas nunca feitas. O superego dela apareceu na forma da vó. Minha vó me condenaria. Deixe sua vó quietinha. Ela o achava engraçado. Era interessante. Gostava dele poder falar dele. Para ela era muito fácil falar de si, mas nem sempre percebia isso nas pessoas. Amanheceram. Ele ia embora no dia seguinte, voltaria, e iria embora de novo. Ligou. Ela gostou. Quatro dias depois, almoçaram juntos. Era bom estar com ele. Ela entendeu. Ele queria ser menino e ela, queria ser adulta. Apesar de terem a mesma idade, se desencontravam no tempo porque, no fim das contas, ele era mais adulto que ela, dono de seus desejos, e ela, menina, ainda os procurando. À noite, lindo espetáculo. Para ela, era tão fácil identificar-se com aquelas palavras, aquelas músicas. Ele era cheio de gente, amigos artistas. Isso a deixava mais tímida. Ao mesmo tempo, ela os achava interessantes. Gostaria de ter sido mais simpática. Ao invés disso, como de costume, passava-se de mal-educada por conta da timidez. Podia tê-los cumprimentado. Mas ela podia tantas coisas que não fazia. Podia pensar menos. Podia fazer mais. É estranho ser carinhoso com quem se tem pouca intimidade, mas com você é fácil. Ela gostava do que ele falava. Conversavam. beijavam. as mãos dela formigando. Ele adormeceu respirando sua nuca. Chuva no ouvido. pés nos pés, corpos encobertados. No dia seguinte, ela mostrou-lhe um lugar bonito. Passeio emocionante. Ela também não conhecia alguns aspectos da cidade. Caminhava pouco por ela. Era bom conversar com ele. Gostei de te conhecer, pena você ir embora. E o espetáculo à noite? Você quer que eu vá? Eu quero sempre, só não quero ter que te convencer. Ele a convocando ao lugar de sujeito e ela insistindo no lugar de objeto. Ela foi, sozinha, mas foi. Gostava do que apresentavam: leveza, encontros. "Você voltaria no tempo e mudaria alguma coisa?". Ela não queria ter que pensar naquele momento quando ouvisse essa pergunta. Ele disse que gostou dela ter ido. Beijaram-se como se fossem se ver na hora seguinte, mas não se viram. Despedida delicada. A vida dela voltaria ao normal. Sem aqueles sorrisos grandes tão constantemente, sem os passeios de mãos dadas com ele, sem aquelas olheiras de noite perdida, mas com boas lembranças.
Ficaram juntos durante alguns anos. Nos primeiros, havia muita paixão. Rápido, muito rápido, havia amor. Ela sentia-se a pessoa mais amada do mundo. A convivência era perfeita. Era, literalmente, uma vida de flores. de mimos. de brincadeiras. de surpresas. Com ele, teve a certeza de que poderia ser amada por um homem. Ele já entrou em sua vida amando-a. Ela quiz amá-lo, mas não foi difícil, ele era encantador. A pessoa mais doce que Alice já havia conhecido. Ela até achava que viviam à parte do mundo real, e, no início isso lhe parecia interessante. More comigo, case comigo, seja só minha. Alice já era dele. Só queria que ele entendesse que podia gostar das outras coisas do mundo também. Entendeu. Ele entrou em seu mundo e cativou as pessoas de uma forma que nem ela esperava. As palavras seriam poucas para descrever como foram felizes. Viajaram. planejaram. amaram. E acabou. Não interessa procurar o momento exato. Não adianta procurar que defeitos dele ela achava mais grave. Algumas coisas acabam. Dão certo por um momento. Acabam. Agora, Alice queria outras formas de viver. Talvez no mundo real. Precisava deixá-lo sair de sua vida. Deixá-lo amar outra pessoa. O amor que ela tinha para dar não podia mais ser destinado a ele. Era tão difícil deixá-lo. Era abrir mão de quem fazia o impossível para vê-la sorrir. Era dar adeus para quem amava cada parte do seu corpo. De quem a achava impressionante o tempo todo: ora bela, ora inteligente. Era perder a doçura que ele dava à vida. Era hora de ir embora. O que levar? Levava o choro que vem com a decisão que é difícil tomar. Levava algumas roupas. Levava as fotos. Experiência de vida. Levava, mas deixava tanto... Deixava as cores da casa que ela escolheu, as paredes cheias de foto como ela gostava, a manta colorida para o sofá que ele não apreciava. Deixava o cachorro, os planos de felicidade naquela vida, as músicas cantadas juntos. Deixava o anel. E, junto com tudo isso, deixava o que mais lhe faria falta, ele. Ganhava saudade, possibilidades... E o tempo, o mesmo que faz esquecer as coisas ruins e sobrar as boas, faz também esquecer as coisas boas depois. A vida dela agora era sem ele, coisa que ela queria, mas que temia também. Ainda digeria o luto dessa perda. De tempos em tempos um pouco mais.