terça-feira, 5 de maio de 2009

Era de noite já. Alice estava no carro, ele do lado de fora. Sua altura era suficiente para olhar o rosto dela sob o vidro da janela. Alice também olhou. Ele pediu qualquer coisa que ela não podia entender mas podia imaginar. Quantos anos será que ele tem? O que faz a essa hora na rua? Respondeu que não tinha. E sentiu-se mal. Não porque tinha que dar, não porque se deve ajudar aos menos favorecidos. Sentiu-se mal porque ele tinha olhar de criança. Era uma criança pedindo alguma coisa e ela dizendo "não". Lembrou-se do pedaço de torta que sobrou do lanche no shopping. Não era resto, ela comeria quando não tivesse o que fazer em casa. Queria assegurar-se de que não estava dando esmola. Olha, eu comi um pedaço de torta muito gostoso e quero te dar a outra parte, você quer? Ele pegou e saiu pelos carros. Ela o acompanhava com o olhar. Será que ele ia comer? Será que ia gostar? A ansiedade era enorme. Talvez tivesse a mesma ansiedade que sente quando está prestes a ver a reação de um presenteado diante do inesperado. Carros, pedintes e ela não conseguia vê-lo. Viu que uma mulher e uma menina, menor ainda do que ele, se aproximaram. Viu ele apontar para o carro onde Alice estava. A mulher se aproximou, a menina de mão dada. Ela arrastava a menina como quem arrasta um sapato mal abotoado. O sapato mal abotoado arrasatava o creme na boca. Alice gostou, pelo menos tinha sido provado. A mulher falou algo que ela não podia entender e saiu. Alice só ouvia: e ele? Será que ele gostou? Levantou-se e foi na direção dela. Minha mãe mandou dizer obrigado. Ah, então era isso que a mulher falava para Alice. Ele não disse mais nada. Parecia até criança educada por vó rigorosa: não fale com adultos, não diga o que não te perguntaram. O sinal havia dado consentimento para passagem e os outros carros atropelavam-na, ela precisava ir. Não tinha como perguntar seu nome, ou se ele tinha gostado. Não pôde saber como ele entende a vida. Mesmo assim, ficou feliz de ter adoçado a boca daquele menino.

2 comentários: