sábado, 16 de maio de 2009

Ela foi. Engoliu a coragem numa tentativa forçada de chegar. Estar num lugar desconhecido, sozinha, sempre foi desesperador. Lá estava ela então, ônibus com pouca gente, instruções anotadas, atenta ao caminho, inutilmente, pois seu mau senso de direção não seria o suficiente para fazê-la voltar sem motorista. Chegou. O lugar novo, pessoas novas, novo funcionamento. Trabalhar naquele lugar poderia ser bom, pensou Alice. Tudo foi explicado por uma moça simpática. Não tinha como evitar. O medo de assumir a vida, de se libertar da angústia do inevitável tinha que ser superado. Registro Geral, Carteira do Conselho, número da conta no banco, comprovante de residência, tudo tinha sido computado. Pronto, Alice já era uma das funcionárias. O empurrão que Alice sempre precisou para começar algo novo tinha sido dado, ela já estava lá. Sua ansiedade era: quando esse lugar vai se tornar mais confortável para mim? Alice sempre teve pressa. Pressa calada, é verdade. Pressa pouco dividida, mas angustiante para ela. Pressa de gente jovem, com vontade de saber se tudo vai dar certo. Lembrou-se do antigo trabalho. Estágio, é verdade, mas não deixava de ser trabalho. Lugar estranho também para Alice, e logo havia se tornado familiar. Alice deu os seus horários disponíveis no novo trabalho, esperando que aquele monte de secretárias marcassem algo para ela fazer quando fosse lá. Ansiedade boa. Menos medo. Alice entrou no ônibus para voltar. Nem sabia por onde passava, até que sentiu-se segura: estava em frente ao antigo trabalho. Saltou, resolveu pegar outro ônibus de lá. Sentiu uma calma depois do medo da morte. É, medo de morrer, medo do desconhecido, medo de assumir sua vida, de adultecer. Era tão confortável para Alice aquele lugar onde tudo era conhecido e entendido. Semana que vem, aproveito para voltar aqui, pensou Alice. Sabia que tinha coisas para fechar. E como era difícil fechar aquela janela! Alice gostaria de não precisar fechá-la. Marcou, e na semana seguinte lá estava: medo nos olhos, saudade no peito, conformada. A sensação de Alice era de que nada tinha mudado. Seis meses haviam se passado e parecia que tudo continuava igual. A mesma recepcionista, a mesma cor na parede, o mesmo som da vassoura na hora de pouca gente, o mesmo sorriso das pessoas. Tudo isso eram "coisas" que faziam daquele lugar o espaço que ela ficou um ano e que tanto aprendeu. Dessa vez, Alice mudou de lugar, sentou para esperar na recepção. Enfim, chegou quem ela precisava ver. Gostou de ter sido abraçada por ela. Sentia falta dos seus ensinamentos, dos almoços de supervisão, e às vezes de conversas pessoais. Para Alice, era bom vê-la novamente: a mesma leveza, o mesmo jeito de falar, o mesmo jeito de rir das coisas. Alice trabalhou, concluiu. Entregou a chave do armário, acabava de fechar aquela janela da vida que precisava ser fechada. Era como se a vida fosse um casarão cheio de janelas, onde em cada uma podia se ver um momento da vida. Casarão de janelas trancadas em que jamais poderia ver novamente os pais casados. Ou janelas entreabertas, que em cada situação de constrangimento atual, fazia abrir o sentimento da adolescência insegura, e que por mais que muitas sessões de análise tentassem trancá-la, ela insistia em se escancarar quando algo a fazia sentir tão pequena como naquelas situações de desamparo que viveu. Pronto, Alice fechou a janela e imaginou que ela iria para o corredor de janelas que Alice gostava de abrir, mas que provavelmente acabaria por ser pouco aberta ao longo dos dias de responsabilidade e novos contextos. Aquelas janelas que poderiam ser abertas mais vezes mas que só eram abertas quando um cheiro, uma frase, ou alguém fosse reencontrado. Janelas que mareavam os olhos e a faziam sorrir. Estava pronta para voltar pra casa. No ponto de ônibus, o mesmo cheiro de acarajé, pamonha, sorvete, pipoca. Os mesmos vendedores continuavam a vender no fim de tarde, os mesmos ônibus continuavam a passar, e ela, esperava. Esperava a hora em que seu novo lugar fosse tão íntimo como aquele.

3 comentários:

  1. Lindo, como todos! E tem as janelas de avião, de carro, de trem... que sempre se movem em novas paisagens! =****** te amo!

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  2. Analogia entre situações não encerradas e janelas entreabertas... lindo...
    "...mas que só eram abertas quando um cheiro, uma frase, ou alguém fosse reencontrado."

    Obs: como havia dito, a caixa de mensagens não quer brincar. Rejeita os comentários. vou postar anônimo então, rs.

    www.marianamiranda.wordpress.com

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