quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Alice andou. Ainda era cedo e ela encontrou pelo caminho: uma calça e sapatos usados na calçada, embora o seu dono não estivesse dentro; um senhor carregando um cesto com pequenos peixes, mas que pareciam pesar toneladas; duas pipas dançando no ar, saindo de dentro do ônibus e duas mãozinhas agitadas, empinando-as; uma senhora fazendo sua caminhada matinal enquanto rezava o terço; ondas que se agitavam naquela imensidão azul que mereceu o nome de "mar". Alice impressionou-se com a vida que já havia começado enquanto ela sentia que ainda estava acordando. Gostava de olhar a vida. Estava parada e uma menina de cachos pretos se aproximou. Alice não era do tipo que procurava conversa, mas quando a conversa a achava, ela costumava ser receptiva. A menina tinha olhos curiosos, tudo queria saber, olhos de pessoa inteligente. Disse seu nome, tinha nove anos de idade. Alice já não tinha nove anos de idade há quatorza anos. Falava com Alice e sorria. Queria saber das coisas. Por que você usa isso na boca? Meus dentes não eram muito certos, então, eu usei um aparelho pra consertar e agora, uso esse pra mantê-los corretos. Ela se satisfez com a resposta. Saiu, saltitou, voltou. Você come com ele? De vez em quando. Você escova os dentes com ele? Não. Por que? Você não acha que deve ser difícil escová-los com isso? Elas sorriram. A menina saiu, saltitou, voltou. Olhava Alice curiosa. Você dorme com ele? Durmo. Você sonha? Alice, que já estava impressionada com aquela menina, estava, naquele momento, maravilhada. Como poderia uma criança de nove anos, que não a conhecia, se interessar pela possibilidade do sonhar? Alice era curiosa, mas nunca lhe ocorreu ver alguém e se perguntar se existia sonho... Para Alice, os sonhos eram muito importantes. Adorava sonhar e lembrar ao longo do dia. Adorava rir do seu próprio sonho. Às vezes, o sonho a fazia chorar, mas, em geral, lhe causava curiosidade. Adorava a possibilidade de fechar os olhos e surpreender-se com o que esse simples fato podia lhe oferecer: imagens, lembranças, alegrias ou tristezas. Sonho, você sonha? Sonho. Alice estava ansiosa por saber. Nossa, imagina o sonho dessa menina, pensou Alice. O que você sonha? E, antes que Alice pudesse descobrir, a menina foi chamada pela mãe, num chamado chateado de quem tem trabalho por ter uma filha tão inteligente e tão curiosa por saber da vida. Ela olhou para Alice, lamentou com pouca tristeza não poder continuar a conversa, mas sabia que conversa não lhe faltaria, pois onde estivesse, a conseguiria. Alice sorriu. Estava impressionada e nunca saberia quais as imagens, lembranças, alegrias ou tristezas aquela menina tinha ao fechar os olhos. Conformou-se.

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