sábado, 28 de março de 2009

Quando era adolescente, Alice sabia que era "virgem pálida". Tinha aquela palidez de quem nunca gostou de sol, aquela palidez diante da vida. Atitude de virgem. Achava que tinha que ser. Seus sentimentos já eram intensos, é verdade, mas sempre guardados, calados, presos. Por isso era tanto. Tudo sufocado. Quando conseguia colocá-los para fora, sentia-se bem, mas tinha medo. Até hoje não consegue colocar em palavras algumas coisas. Chora. Um choro que é vômito: colocando pra fora à força. Colocando para fora a força. É, na adolescência, Alice tinha medo. Medo de compartilhar, de se revelar. Hoje, Alice se permite, se oferece. Por isso quer ser solteira, para se oferecer ao outro. Sabe que a monogamia é renúncia e ainda não decidiu se quer abrir mão da liberdade, de reivindicar o olhar. É, o olhar que vem e vai, quase que nem o vento. Então, pode olhar e ser olhada. Não sabe do que gosta mais. Acho que de ser olhada por quem é alvo do olhar. Alvo que desperta o interesse em meio a todo devaneio que a toma, a rouba dos lugares. Dentre ainda tão poucos interesses, desejos conhecidos, o olhar já é entendido e. O olhar que traz consigo a verdade, o encontro. Tão bom quanto uma brisa num dia de calor. Tão refrescante quanto a chuva que. Alice ainda lembra da primeira vez que encontrou a chuva. Lembra da primeira vez que sentiu-se só com ela. Um sentimento de cumplicidade a invadiu. Antes não se encontravam. Alice saía, a chuva ameaçava fazer-se conhecida à força, mas só acontecia quando Alice chegava. Quem evitava quem? Até que um dia caiu, mas Alice estava tão entretida que não percebeu. Alice a evitou. No dia seguinte, levou guarda-chuva. E ela foi presenteada. Durante a infância, o guarda-chuva era sempre dividido: ela, a mãe e a irmã, sensação sempre de acolhimento, poucas oportunidades de solidão com ela mesma. Agora estava só. Aliás, acompanhada da chuva. Sorriu. Estava feliz. Eram só as duas. Podia ouví-la. Um breve momento de silêncio em seus pensamentos. E logo eles a devoravam novamente, mas, em seus devaneios, não estava mais sozinha. Havia um frescor. Havia um som que era marcação para sua muda fala. Seus pensamentos agora tinham uma base. Eram pensamentos de chuva. De chuva não, de Alice. Era como se além dela mesma, algo mais a escutasse. Sentiu-se olhada, refrescada. Tempos depois, andava pela rua quando avistou um Preto Velho. Um Preto de chapéu, cheiro de fumo e ar de velho. Alice adorava aquela figura. Parecia-lhe familiar. Lembrou-se dos tempos em que passava as férias no interior de seus avós. praça. crianças. geladinho. croché de vó. fogueira de vô. brincadeira. igreja. quintal. Preto Velho. Quando voltou de suas lembranças, avistou um guarda-chuva vermelho. Ela sabia que não precisava. Já tinha. Mas, vermelho não tinha nenhum. Comprou do Preto Velho mesmo sabendo que o período de chuvas já tinha acabado. Ele ficou feliz. Ela também.

2 comentários:

  1. Muito bom, Minha LUA!!
    "colocando pra fora à força. Colocando para fora a força." Adorei essa parte!

    COntinue, viu?
    =***
    Te amo

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  2. Se a formiga lesse sua relação com a chuva ia dizer: "chuva para mim não é redenção, Alice".
    =]
    dan

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