quinta-feira, 9 de abril de 2009

Alice lembrou-se daquele senhor: chapéu, suéter vermelho, sorriso no rosto. Sentiu saudade. O encontro se deu em outro país, em outra língua. Ela estava feliz. Era a sua primeira vez com a neve. Numa fantasia quase infantil - se é que desejos são apenas para crianças - ela imaginava como seria a sensação da neve. Imaginava pegá-la, experimentá-la. Lá estavam as duas. Alice admirava, sorria. A neve se oferecia. Alice queria esquiar! Entrou no táxi do senhorzinho. Ele muito simpático, Alice encantada. Os olhos dela sorriam. Ele olhou. Primeira vez que vê a neve? Sim, dá para perceber, não é? Sim, sugiro que abra um guarda-chuva de cabeça para baixo e depois desvire em cima de você. Eles sorriram. Ela adorou, tinha certeza que se tivesse guarda-chuva naquele lugar, assim o faria. Você tem que comer a neve se quiser voltar aqui. Já experimentei. Alice respirou confortada. Voltarei. Conversaram. Era tão boa aquela sensação. Ele mostrou o lugar mais barato para alugar esqui. Brincou. Fotografou. Alice estava apaixonada por aquele senhor que tanto a fazia lembrar. Lembrou do seu vô. Ainda tinha dois. Um era quente, não tinha frieza. Nunca brigou com ela. Ao contrário, sempre a agradou. Quando era mais novo e Alice criança, fazia molecagens que a divertiam. Ela adorava vê-lo. Achava que ele era tão bom quanto qualquer idéia de Papai Noel que pudesse ter. Seria um Papai Noel nordestino, é verdade. Tinha a simplicidade de um. Alice sabia que com esse, era mais uma neta como outra qualquer, mas se orgulhava de como a chamava: boneca. O outro, era frio por fora, quente por dentro. Não conhecia muito carinho, mas aprendeu a deixar Alice chegar perto. É verdade que as tentativas foram grandes até que ele pudesse lidar com o fato de que Alice tentava e, por isso, a ele só restava deixar. Lembrou dos passeios, das brigas, dos presentes. Em meio a tantos netos, Alice sabia que ele gostava dela de um jeito especial. Ele achava graça de suas graças e ria quando ela chegava feliz. Era essa a sensação que Alice tinha naquele momento: frio por fora, quente por dentro. Apesar de toda roupa, podia sentir frio, mas nada se comparava ao quente que tinha por dentro. Um quente de algria grande, dessas que tomam e deixam o sangue correndo. E lá estava, com aquele senhorzinho que conversava com ela mais do que qualquer vô seu jamais conversou. Revelou seu apelido: El Conde. Ela achou engraçado. Deixou-a e combinou de pegá-la. Alice não cabia em si de tanta euforia. Esquiou, caiu, brincou. No horário combinado, lá estava ele e ela tão longe ainda. E se ele pensar que ela não cumpriu o acordo? E se ele for embora? Correu com aqueles sapatos que mais pareciam sapatos de astronautas de tão vagarentos. Correu como quem corre para chegar no horário para não levar bronca da mãe. Chegou, mas nem conseguia falar de tão cansada. Ele não a entendia. Calma. Certo, a demora é para devolver tudo que aluguei. Espero. Ela respirou. As palavras tinham sido cuspidas e agora podia se recuperar. Devolveu, voltou, entrou no carro. Ele fez piada, deu chocolate. Disse que era para esquentar. Chamou-a de "bombom", e entregou outro chocolate. Ela adorou. Lembrou dos vôs. Mais conversa e o destino chegou. Alice tinha que deixá-lo. E se não vê-lo mais? Sentiu uma tristeza de morte. Tristeza que sabe que sentirá quando não mais puder ver seus vôs. Despediu-se. Será que El Conde entende como Alice o queria bem? Alice não poderá saber. Conforta-se em saber que comeu neve, e, talvez voltará a encontrá-lo.

3 comentários:

  1. "Conforta-se em saber que comeu neve e talvez voltará a encontrá-lo"... genial...

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  2. Sob lágrimas, como sempre. Também amo esse vô, o papai noel nordestino, mas vc não é apenas mais uma neta; boneca não é pra qq uma!! Te amo!

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